Durante anos, a Odontologia esteve à margem das políticas públicas de saúde.
O acesso dos brasileiros à Saúde Bucal era extremamente difícil e limitado, fazendo com que as pessoas se acostumassem a só procurar atendimento odontológico em casos de dor. Essa demora na procura ao atendimento aliada aos poucos serviços odontológicos oferecidos fazia com que o principal tratamento oferecido pela rede pública fosse a extração dentária, perpetuando a visão da Odontologia mutiladora e do cirurgião-dentista com atuação apenas clínica.
Para mudar esse quadro, em 2003 o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional de Saúde Bucal – Programa Brasil Sorridente. O Brasil Sorridente constitui-se de uma série de medidas que têm como objetivo garantir as ações de promoção, prevenção e recuperação da saúde bucal dos brasileiros, entendendo que esta é fundamental para a saúde geral e para a qualidade de vida da população. Sua principal meta é a reorganização da prática e a qualificação das ações e serviços oferecidos, reunindo ações em Saúde Bucal voltadas para os cidadãos de todas as idades, com ampliação do acesso ao tratamento odontológico gratuito aos brasileiros, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).
As principais linhas de ação do Brasil Sorridente são a reorganização da Atenção Básica em Saúde Bucal (principalmente com a implantação das equipes de Saúde Bucal – eSB – na Estratégia Saúde da Família), a ampliação e qualificação da atenção especializada (especialmente com a implantação de Centros de Especialidades Odontológicas – CEO – e Laboratórios Regionais de Próteses Dentárias – LRPD) e a viabilização da adição de flúor nas estações de tratamento de águas de abastecimento público. Também, o Brasil Sorridentearticula outras ações intraministeriais e interministeriais.
DIRETRIZES DA POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE BUCAL
APRESENTAÇÃO
Este documento apresenta as diretrizes do Ministério da Saúde para a organização da atenção à saúde bucal no âmbito do SUS, resultantes de um processo de discussões com os coordenadores estaduais de saúde bucal e fundamentando-se nas proposições que, nas últimas décadas foram geradas em congressos e encontros de odontologia e de saúde coletiva, bem como em consonância com as deliberações das Conferências Nacionais de Saúde e da I e II Conferência Nacional de Saúde Bucal. Estas diretrizes constituem o eixo político básico de proposição para a reorientação das concepções e práticas no campo da saúde bucal, capazes de propiciar um novo processo de trabalho tendo como meta à produção do cuidado. Desta forma, deve ser compreendido como referência conceitual para o processo de se fazer o modelo de atenção no espaço da micro-política, onde ocorre, diante de diversos problemas e demandas, o encontro dos saberes e fazeres entre sujeitos usuários e sujeitos profissionais.
Por sua natureza técnica e política, este documento encontra-se em permanente construção, considerando-se as diferenças sanitárias, epidemiológicas regionais e culturais do Brasil e deve ser debatido à luz dos resultados da pesquisa “Condições de Saúde Bucal na População Brasileira”, que o embasa do ponto de vista epidemiológico.
Sugere-se também sua discussão no âmbito dos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde, visando à ampliação do debate junto aos trabalhadores e usuários do sistema de saúde, para aprofundar o controle público sobre esta área específica.
Cabe esclarecer que se espera que este conjunto de proposições esteja em discussão no amplo processo de debates que, em vários níveis, representa a III Conferência Nacional de Saúde Bucal, cujas decisões permitirão consolidar certas propostas e reorientar outras.
Brasília, DF, janeiro de 2004.
1. INTRODUÇÃO
As diretrizes aqui apresentadas apontam para uma reorganização da atenção em saúde bucal em todos os níveis de atenção, tendo o conceito do cuidado como eixo de reorientação do modelo, respondendo a uma concepção de saúde não centrada somente na assistência aos doentes, mas, sobretudo, na promoção da boa qualidade de vida e intervenção nos fatores que a colocam em risco — pela incorporação das ações programáticas de uma forma mais abrangente e do desenvolvimento de ações intersetoriais.
A produção do cuidado traz consigo a proposta de humanização do processo de desenvolver ações e serviços de saúde. Implica a responsabilização dos serviços e dos trabalhadores da saúde, em construir, com os usuários, a resposta possível às suas dores, angústias, problemas e aflições de uma forma tal que não apenas se produzam consultas e atendimentos, mas que o processo de consultar e atender venha a produzir conhecimento, responsabilização e autonomia em cada usuário.
Assim, as ações e serviços devem resultar de um adequado conhecimento da realidade de saúde de cada localidade para, a partir disso, construir uma prática efetivamente resolutiva. É imprescindível, em cada território, aproximar-se das pessoas e tentar conhecê-las: suas condições de vida, as representações e as concepções que têm acerca de sua saúde, seus hábitos e as providências que tomam para resolver seus problemas quando adoecem bem como o que fazem para evitar enfermidades.
Ponto de partida para o exercício da cidadania, a construção da consciência sanitária implica, necessariamente, tanto para gestores e profissionais quanto para os usuários, a consciência dos aspectos que condicionam e determinam um dado estado de saúde e dos recursos existentes para sua prevenção, promoção e recuperação.
O estímulo à construção de uma consciência sanitária, em que a integralidade seja percebida como direito a ser conquistado permitirá, com as formas possíveis de participação, desenvolver o processo de controle social das ações e serviços em saúde bucal.
Para a organização deste modelo é fundamental que sejam pensadas as “linhas do cuidado” (da criança, do adolescente, do adulto, do idoso), com a criação de fluxos que impliquem ações resolutivas das equipes de saúde, centradas no acolher, informar, atender e encaminhar (referência e contra-referência). Onde o usuário, através de um acesso que não lhe deve ser negado, saiba sobre cada lugar que compõe a estrutura do serviço a partir da sua vivência nele: como uma pessoa que o conhece e se sente parte dele, e que é capaz de influir em seu andamento. A linha do cuidado implica um redirecionamento do processo de trabalho onde o trabalho em equipe é um de seus fundamentos mais importantes. Constituída assim, em sintonia com o universo dos usuários, esta linha tem como pressuposto o princípio constitucional da intersetorialidade e, por seu potencial de resolutividade, possibilita o surgimento de laços de confiança e vínculo, indispensáveis para melhorar a qualidade dos serviços de saúde e aprofundar a humanização das práticas.
Em conseqüência, os profissionais da equipe de saúde bucal devem desenvolver a capacidade de propor alianças, seja no interior do próprio sistema de saúde, seja nas ações desenvolvidas com as áreas de saneamento, educação, assistência social, cultura, transporte, entre outras.
No âmbito da assistência essas diretrizes apontam, fundamentalmente, para a ampliação e qualificação da atenção básica, possibilitando o acesso a todas as faixas etárias e a oferta de mais serviços, assegurando atendimentos nos níveis secundário e terciário de modo a buscar a integralidade da atenção.
2. PRESSUPOSTOS
A reorientação do modelo de atenção em saúde bucal tem os seguintes pressupostos:
2.1. Assumir o compromisso de qualificação da atenção básica, garantindo qualidade e resolutividade, independentemente da estratégia adotada pelo município para sua organização;
2.2. Garantir uma rede de atenção básica articulada com toda a rede de serviços e como parte indissociável dessa;
2.3. Assegurar a integralidade nas ações de saúde bucal, articulando o individual com o coletivo, a promoção e a prevenção com o tratamento e a recuperação da saúde da população adscrita, não descuidando da necessária atenção a qualquer cidadão em situação de urgência;
2.4. Utilizar a epidemiologia e as informações sobre o território subsidiando o planejamento —deve-se buscar que as ações sejam precedidas de um diagnóstico das condições de saúde-doença das populações, através da abordagem familiar e das relações que se estabelecem no território onde se desenvolve a prática de saúde;
2.5. Acompanhar o impacto das ações de saúde bucal por meio de indicadores adequados, o que implica a existência de registros fáceis, confiáveis e contínuos;
2.6. Centrar a atuação na Vigilância à Saúde, incorporando práticas contínuas de avaliação e acompanhamento dos danos, riscos e determinantes do processo saúdedoença, atuação intersetorial e ações sobre o território;
2.7. Incorporar a Saúde da Família como uma importante estratégia na reorganização da atenção básica;
2.8. Definir política de educação permanente para os trabalhadores em saúde bucal, com o objetivo de implementar projetos de mudança na formação técnica, de graduação e pós-graduação para que atendam às necessidades da população e aos princípios do SUS. Estabelecer responsabilidades entre as esferas de governo, com mecanismos de cooperação técnica e financeira, visando à formação imediata de pessoal auxiliar, para possibilitar a implantação das equipes de saúde bucal na ESF. Nos Estados em que os Pólos de Educação Permanente estiverem implantados, a educação continuada dos trabalhadores em saúde bucal deve ser dar através deles;
2.9. Estabelecer política de financiamento para o desenvolvimento de ações visando à reorientação do modelo de atenção.
Definir uma agenda de pesquisa científica com o objetivo de investigar os principais problemas relativos à saúde bucal, bem como desenvolver novos produtos e tecnologias necessários à expansão das ações dos serviços públicos de saúde bucal, em todos os níveis de atenção.
3. PRINCÍPIOS NORTEADORES DAS AÇÕES
O desenvolvimento de ações na perspectiva do cuidado em saúde bucal tem os seguintes princípios, além dos expressos no texto constitucional (universalidade, integralidade e eqüidade):
3.1. Gestão Participativa: definir democraticamente a política de saúde bucal, assegurando a participação das representações de usuários, trabalhadores e prestadores, em todas as esferas de governo;
3.2. Ética: assegurar que toda e qualquer ação seja regida pelos princípios universais da ética em saúde;
3.3. Acesso: buscar o acesso universal para a assistência e dar atenção a toda demanda expressa ou reprimida, desenvolvendo ações coletivas a partir de situações individuais e vice-versa e assumindo a responsabilidade por todos os problemas de saúde da população de um determinado espaço geográfico. Prioridade absoluta deve ser dada aos casos de dor, infecção e sofrimento.
3.4. Acolhimento: desenvolver ações para o usuário considerando-o em sua integralidade bio-psico-social. Acolhimento pressupõe que o serviço de saúde seja organizado de forma usuário-centrada, garantido por uma equipe multiprofissional, nos atos de receber, escutar, orientar, atender, encaminhar e acompanhar. Significa a base da humanização das relações e caracteriza o primeiro ato de cuidado junto aos usuários, contribuindo para o aumento da resolutividade.
3.5. Vínculo: responsabilizar a unidade ou serviço de saúde na solução dos problemas em sua área de abrangência, através da oferta de ações qualificadas, eficazes e que permitam o controle, pelo usuário, no momento de sua execução. O vínculo é a expressão-síntese da humanização da relação com o usuário e sua construção requer a definição das responsabilidades de cada membro da equipe pelas tarefas necessárias ao atendimento nas situações de rotina ou imprevistas. O vínculo é
o resultado das ações do acolhimento e, principalmente, da qualidade da resposta (clínica ou não) recebida pelo usuário.
Responsabilidade Profissional: implicar-se com os problemas e demandas dos usuários, garantindo respostas resolutivas, tornando-se co-responsável pelo enfrentamento dos fatores associados com o processo saúde-doença em cada território. Corresponde ao desenvolvimento de práticas profissionais baseadas no respeito à identidade do usuário, conhecimento do contexto familiar e laboral, disponibilizando o tempo necessário à escuta da queixa e ao atendimento e providências pertinentes, criando suportes para a atenção integral à saúde e às necessidades dos diferentes grupos populacionais.
PROCESSO DE TRABALHO EM SAÚDE BUCAL
A adequação do processo de trabalho ao modelo de atenção que se está propondo requer:
4.1. Interdisciplinaridade e Multiprofissionalismo: a atuação da equipe de saúde bucal (ESB) não deve se limitar exclusivamente ao campo biológico ou ao trabalho técnico–odontológico. Ademais de suas funções específicas, a equipe deve interagir com profissionais de outras áreas, de forma a ampliar seu conhecimento, permitindo a abordagem do indivíduo como um todo, atenta ao contexto sócioeconômico-cultural no qual ele está inserido. A troca de saberes e o respeito mútuo às diferentes percepções deve acontecer permanentemente entre todos os profissionais de saúde para possibilitar que aspectos da saúde bucal também sejam devidamente apropriados e se tornem objeto das suas práticas. A ESB deve ser — e se sentir — parte da equipe multiprofissional em unidades de saúde de qualquer nível de atenção.
4.2. Integralidade da Atenção: a equipe deve estar capacitada a oferecer de forma conjunta ações de promoção, proteção, prevenção, tratamento, cura e reabilitação, tanto no nível individual quanto coletivo.
4.3. Intersetorialidade: as ações de promoção de saúde são mais efetivas se a escola, o local de trabalho, o comércio, a mídia, a indústria, o governo, as organizações não-governamentais e outras instituições estiverem envolvidas. A intersetorialidade neste sentido implica envolver no planejamento os diferentes setores que influem na saúde humana: entre outros a educação, agricultura, comunicação, tecnologia, esportes, saneamento, trabalho, meio ambiente, cultura e assistência social.
4.4. Ampliação e Qualificação da Assistência: organizar o processo de trabalho de forma a garantir procedimentos mais complexos e conclusivos, de forma a resolver a necessidade que motivou a procura da assistência evitando o agravamento do quadro e futuras perdas dentárias e outras seqüelas. Para isso, os serviços precisam disponibilizar tempo de consulta suficiente e adequado à complexidade do tratamento. Nessa organização sugere-se:
a) maximizar a hora-clínica do CD para otimizar a assistência – 75% a 85% das horas contratadas devem ser dedicadas à assistência. De 15% a 25% para outras atividades (planejamento, capacitação, atividades coletivas). As atividades educativas e preventivas, ao nível coletivo, devem ser executadas, preferencialmente pelo pessoal auxiliar. O planejamento, supervisão e avaliação implicam participação e responsabilidade do CD;
b) garantir o atendimento de urgência na atenção básica e assegurar cuidados complementares a esses casos em outras unidades de saúde (pronto atendimento, pronto socorro e hospital) de acordo com o Plano Diretor de Regionalização;
c) Adequar a disponibilidade de recursos humanos de acordo com o fluxo de demanda da realidade local.
4.5. Condições de Trabalho: para assegurar a plena utilização da capacidade instalada da rede de serviços, propõe-se o desenvolvimento de políticas de suprimento de instrumentos e material de consumo e de conservação, manutenção e reposição dos equipamentos odontológicos, de modo a garantir condições adequadas de trabalho. É indispensável, neste aspecto, observar estritamente as normas e padrões estabelecidos pelo sistema nacional de vigilância sanitária.
Parâmetros: os parâmetros para orientar o processo de trabalho devem ser discutidos e pactuados entre as coordenações de saúde bucal (nacional e estaduais; e estaduais e municipais), com o objetivo de garantir a dignidade no trabalho para profissionais e usuários, a qualidade dos serviços prestados e observando as normas de biossegurança.
AÇÕES
O conceito ampliado de saúde, definido no artigo 196 da Constituição da República deve nortear a mudança progressiva dos serviços, evoluindo de um modelo assistencial centrado na doença e baseado no atendimento a quem procura, para um modelo de atenção integral à saúde, onde haja a incorporação progressiva de ações de promoção e de proteção, ao lado daquelas propriamente ditas de recuperação.
Para melhor identificar os principais grupos de ações de promoção, de proteção e de recuperação da saúde a serem desenvolvidas prioritariamente, é necessário conhecer as características do perfil epidemiológico da população, não só em termos de doenças de maior prevalência, como das condições sócio-econômicas da comunidade, seus hábitos e estilos de vida e suas necessidades de saúde — sentidas ou não —, aí incluídas por extensão a infra-estrutura de serviços disponíveis.
As ações de saúde bucal devem se inserir na estratégia planejada pela equipe de saúde numa inter-relação permanente com as demais ações da Unidade de Saúde.
5.1. Ações de Promoção e Proteção de Saúde – esse grupo de ações pode ser desenvolvido pelo sistema de saúde, articulado com outras instituições governamentais, empresas, associações comunitárias e com a população e seus órgãos de representação. Tais ações visam à redução de fatores de risco, que constituem ameaça à saúde das pessoas, podendo provocar-lhes incapacidades e doenças. Neste grupo situam-se, também, a identificação e difusão de informações sobre os fatores de proteção à saúde. Esse grupo compreende um elenco bastante vasto e diversificado de ações de natureza eminentemente educativo-preventivas.
A promoção de saúde bucal está inserida num conceito amplo de saúde que transcende a dimensão meramente técnica do setor odontológico, integrando a saúde bucal às demais práticas de saúde coletiva. Significa a construção de políticas públicas saudáveis, o desenvolvimento de estratégias direcionadas a todas as pessoas da comunidade, como políticas que gerem oportunidades de acesso à água tratada, incentive a fluoretação das águas, o uso de dentifrício fluoretado e assegurem a disponibilidade de cuidados odontológicos básicos apropriados. Ações de promoção da saúde incluem também trabalhar com abordagens sobre os fatores de risco ou de proteção simultâneos tanto para doenças da cavidade bucal quanto para outros agravos (diabete, hipertensão, obesidade, trauma e câncer) tais como: políticas de alimentação saudável para reduzir o consumo de açúcares, abordagem comunitária para aumentar o autocuidado com a higiene corporal e bucal, política de eliminação do tabagismo e de redução de acidentes.
A busca da autonomia dos cidadãos é outro requisito das ações de promoção de saúde. A equipe de saúde deve fazer um esforço simultâneo para aumentar a autonomia e estimular práticas de autocuidado por pacientes, famílias e comunidades. Também é recomendável trabalhar numa linha de combate a automedicação, medicalização, e dependência excessiva dos profissionais ou serviços de saúde.
As ações de proteção à saúde podem ser desenvolvidas no nível individual e /ou coletivo. Para as ações que incidem nos dois níveis, deverá garantir-se acesso a escovas e pastas fluoretadas. Além disso, os procedimentos coletivos são ações educativopreventivas realizadas no âmbito das unidades de saúde (trabalho da equipe de saúde junto aos grupos de idosos, hipertensos, diabéticos, gestantes, adolescentes, saúde mental, planejamento familiar e sala de espera), nos domicílios, grupos de rua, escolas, creches, associações, clube de mães ou outros espaços sociais, oferecidos de forma contínua e compreendem:
5.1.1. Fluoretação das águas
Entende-se que o acesso à água tratada e fluoretada é fundamental para as condições de saúde da população. Assim, viabilizar políticas públicas que garantam a implantação da fluoretação das águas, ampliação do programa aos municípios com sistemas de tratamento é a forma mais abrangente e socialmente justa de acesso ao flúor. Neste sentido, desenvolver ações intersetoriais para ampliar a fluoretação das águas no Brasil é uma prioridade governamental, garantindo-se continuidade e teores adequados nos termos da lei 6.050 e normas complementares, com a criação e/ou desenvolvimento de sistemas de vigilância compatíveis. A organização de tais sistemas compete aos órgãos de gestão do SUS.
5.1.2. Educação em Saúde
Compreende ações que objetivam a apropriação do conhecimento sobre o processo saúde-doença incluindo fatores de risco e de proteção à saúde bucal, assim como a possibilitar ao usuário mudar hábitos apoiando-o na conquista de sua autonomia.
A atenção à saúde bucal deve considerar tanto as diferenças sociais quanto às peculiaridades culturais, ao discutir alimentação saudável, manutenção da higiene e autocuidado do corpo, considerando que a boca é órgão de absorção de nutrientes, expressão de sentimentos e defesa.
Os conteúdos de educação em saúde bucal devem ser pedagogicamente trabalhados, preferencialmente de forma integrada com as demais áreas. Poderão ser desenvolvidos na forma de debates, oficinas de saúde, vídeos, teatro, conversas em grupo, cartazes, folhetos e outros meios. Deve-se observar a lei federal nº 9394/96, que possibilita a estruturação de conteúdos educativos em saúde no âmbito das escolas, sob uma ótica local, com apoio e participação das equipes das unidades de saúde.
Estas atividades podem ser desenvolvidas pelo cirurgião-dentista (CD), técnico em higiene dental (THD), auxiliar de consultório dentário (ACD) e agente comunitário de saúde (ACS) especialmente durante as visitas domiciliares. As escolas, creches, asilos e espaços institucionais são locais preferenciais para este tipo de ação, não excluindo qualquer outro espaço onde os profissionais de saúde enquanto cuidadores possam exercer atividades que estimulem a reflexão para maior consciência sanitária e apropriação da informação necessária ao autocuidado.
Considerando a importância de que o trabalho do CD não se restrinja apenas a sua atuação no âmbito da assistência odontológica, limitando-se exclusivamente à clínica, sugere-se cautela no deslocamento freqüente deste profissional, para a execução das ações coletivas. Estas devem ser feitas, preferencialmente, pelo THD, pelo ACD e pelo ACS. Compete ao CD planejá-las, organizá-las, supervisioná-las e avaliá-las sendo, em última instância, o responsável técnico-científico por tais ações.
5.1.3. Higiene Bucal Supervisionada
A higiene bucal é um componente fundamental da higiene corporal das pessoas. Mas realizá-la adequadamente requer aprendizado. Uma das possibilidades para esse aprendizado é o desenvolvimento de atividades de higiene bucal supervisionada (HBS), pelos serviços de saúde, nos mais diferentes espaços sociais. A HBS visa à prevenção da cárie – quando for empregado dentifrício fluoretado – e da gengivite, através do controle continuado de placa pelo paciente com supervisão profissional, adequando a higienização à motricidade do indivíduo. Recomenda-se cautela na definição de técnicas “corretas” e “erradas”, evitando-se estigmatizações. A HBS deve ser desenvolvida preferencialmente pelos profissionais auxiliares da equipe de saúde bucal. Sua finalidade é a busca da autonomia com vistas ao autocuidado.
5.1.4. Aplicação Tópica de Flúor
A aplicação tópica de flúor (ATF) visa à prevenção e controle da cárie, através da utilização de produtos fluorados (soluções para bochechos, gel-fluoretado e verniz fluoretado), em ações coletivas.
Para instituir a ATF recomenda-se levar em consideração a situação epidemiológica (risco) de diferentes grupos populacionais do local onde a ação será realizada. A utilização de ATF com abrangência universal é recomendada para populações nas quais se constate uma ou mais das seguintes situações:
a) exposição à água de abastecimento sem flúor;
b) exposição à água de abastecimento contendo naturalmente baixos teores de flúor (até 0,54 ppm F);
c) exposição a flúor na água há menos de 5 anos;
d) CPOD maior que 3 aos 12 anos de idade;
e) menos de 30% dos indivíduos do grupo são livres de cárie aos 12 anos de
idade;
5.2. Ações de Recuperação – esse grupo de ações envolve o diagnóstico e o tratamento de doenças.
O diagnóstico deve ser feito o mais precocemente possível, assim como o tratamento deve ser instituído de imediato, de modo a deter a progressão da doença e impedir o surgimento de eventuais incapacidades e danos decorrentes. Por isso, os serviços de saúde, especialmente os do nível primário da assistência, devem buscar o adequado desempenho dessas duas ações fundamentais de recuperação da saúde – diagnóstico e tratamento.
Em relação ao diagnóstico, destaca-se a inclusão nas rotinas de assistência, de métodos que aprimorem a identificação precoce das lesões (biópsias e outros exames complementares).
A identificação precoce das lesões da mucosa bucal deve ser priorizada, garantindo-se, na rede assistencial, atendimento integral em todos os pontos de atenção à saúde, para acompanhamento e encaminhamento para tratamento nos níveis de maior complexidade.
O tratamento deve priorizar procedimentos conservadores — entendidos como todos aqueles executados para manutenção dos elementos dentários — invertendo a lógica que leva à mutilação, hoje predominante nos serviços públicos.
Na lista de insumos da farmácia da Saúde da Família serão incluídos alguns insumos odontológicos estratégicos, com vistas a superar dificuldades freqüentes para sua aquisição em muitos municípios — inviabilizando muitas vezes a realização de procedimentos elementares da assistênc ia odontológica e comprometendo a continuidade de ações coletivas (como é o caso do mercúrio, da limalha de prata, da resina fotopolimerizável, do ionômero de vidro e, também, das escovas e pastas de dentes, além de outros itens adequados à realidade local de produção de serviços odontológicos básicos).
5.3. Ações de Reabilitação
Consistem na recuperação parcial ou total das capacidades perdidas como resultado da doença e na reintegração do indivíduo ao seu ambiente social e a sua atividade profissional.
6. AMPLIAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DA ATENÇÃO BÁSICA
À atenção básica compete assumir a responsabilidade pela detecção das necessidades, providenciar os encaminhamentos requeridos em cada caso e monitorar a evolução da reabilitação, bem como acompanhar e manter a reabilitação no período pós-tratamento. Considerando a complexidade dos problemas que demandam à rede de atenção básica e a necessidade de buscar-se continuamente formas de ampliar a oferta e qualidade dos serviços prestados, recomenda-se a organização e desenvolvimento de ações de:
6.1. Prevenção e controle do câncer bucal
a) realizar rotineiramente exames preventivos para detecção precoce do câncer bucal, garantindo-se a continuidade da atenção, em todos os níveis de
complexidade, mediante negociação e pactuação com representantes das três esferas de governo.
b) oferecer oportunidades de identificação de lesões bucais (busca ativa) seja em visitas domiciliares ou em momentos de campanhas específicas (por exemplo: vacinação de idosos);
c) acompanhar casos suspeitos e confirmados através da definição e, se necessário, criação de um serviço de referência, garantindo-se o tratamento e reabilitação.
d) estabelecer parcerias para a prevenção, diagnóstico, tratamento e recuperação do câncer bucal com Universidades e outras organizações.
6.2. Implantação e aumento da resolutividade do pronto-atendimento
a) organizar o pronto-atendimento de acordo com a realidade local.
b) avaliar a situação de risco à saúde bucal na consulta de urgência;
c) orientar o usuário para retornar ao serviço e dar continuidade ao
tratamento.
6.3. Inclusão de procedimentos mais complexos na atenção básica
Deve-se considerar a possibilidade de, em cada local, inserir na atenção básica procedimentos como pulpotomias, restauração de dentes com cavidades complexas ou pequenas fraturas dentárias e a fase clínica da instalação de próteses dentárias elementares, bem como tratamento periodontal que não requeira procedimento cirúrgico. Tais procedimentos contribuem para aumentar o vínculo, ampliar a credibilidade e o reconhecimento do valor da existência do serviço público odontológico em cada local, aumentando-lhe o impacto e a cobertura.
6.4. Inclusão da reabilitação protética na atenção básica
Considerar em cada local a possibilidade de inserir na atenção básica procedimentos relacionados com a fase clínica da instalação de próteses dentárias elementares. Assim será possível avançar na superação do quadro atual, onde os procedimentos relativos às diferentes próteses dentárias estão inseridos nos serviços especializados e, portanto, não são acessíveis à maioria da população.
A viabilização dessas possibilidades implica suporte financeiro e técnico específico a ser proporcionado pelo Ministério da Saúde que:
a) Contribuir para a instalação de equipamentos em laboratórios de prótese dentária, de modo a contemplar as diferentes regiões;
b) capacitará Técnicos em Prótese Dentária (TPD) e Auxiliares de Prótese Dentária (APD) da rede SUS, para a implantação desses serviços.
6.5. Ampliação do acesso
Com o objetivo de superar o modelo biomédico de atenção às doenças, propõem-se duas formas de inserção transversal da saúde bucal nos diferentes programas integrais de saúde: 1) por linhas de cuidado; e, 2) por condição de vida. A primeira prevê o reconhecimento de especificidades próprias da idade, podendo ser trabalhada como saúde da criança, saúde do adolescente, saúde do adulto e saúde do idoso. Já a proposta de atenção por condição de vida compreende a saúde da mulher, saúde do trabalhador, portadores de necessidades especiais, hipertensos, diabéticos, dentre outras. Nesse sentido, ações de saúde bucal também estarão incluídas nos documentos específicos definindo as políticas para a intervenção governamental segundo as linhas de cuidado ou condição de vida.
Para os grupos a seguir destacam-se as seguintes orientações:
6.5.1. Grupo de 0 a 5 anos: organizar o ingresso de crianças deste grupo etário no sistema, no máximo a partir de 6 meses, aproveitando as campanhas de vacinação, consultas clínicas e atividades em espaços sociais. Desenvolver atividades em grupo de pais e/ou responsáveis para informações, identificação e encaminhamento das crianças de alto risco ou com necessidades para atenção individual, com ampliação de procedimentos, incluindo os de ortopedia funcional dos maxilares e ortodontia preventiva. Não se recomenda criar “programas” específicos de saúde bucal para esse grupo etário, verticalizados e isolados dos demais programas de saúde. Ao contrário, é altamente recomendável que ações de saúde bucal voltadas a esse grupo sejam parte de programas integrais de saúde da criança e, assim, compartilhadas pela equipe multiprofissional.
6.5.2. Grupo de crianças e adolescentes (6-18 anos): a atenção deve ser adaptada à situação epidemiológica, identificando e encaminhando os grupos de maior risco para atenção curativa individual. Ressalta-se a necessidade de organizar fluxos para garantir o atendimento aos adolescentes.
6.5.3. Grupo de Gestantes: Considerando que a mãe tem um papel fundamental nos padrões de comportamento apreendidos durante a primeira infância, ações educativo-preventivas com gestantes qualificam sua saúde e tornam-se fundamentais para introduzir bons hábitos desde o início da vida da criança. Deve-se realizar ações coletivas e garantir o atendimento individual. Em trabalho conjunto com a equipe de saúde, a gestante, ao iniciar o pré-natal, deve ser encaminhada para uma consulta odontológica, que minimamente inclua os seguintes atos:
a) orientação sobre possibilidade de atendimento durante a gestação;
b) exame de tecidos moles e identificação de risco à saúde bucal;
c) diagnóstico de lesões de cárie e necessidade de tratamento curativo;
d) diagnóstico de gengivite ou doença periodontal crônica e necessidade de
tratamento;
e) orientações sobre hábitos alimentares (ingestão de açúcares) e higiene
bucal;
f) em nenhuma hipótese a assistência será compulsória, respeitando-se sempre à vontade da gestante, sob pena de gravíssima infração ética.
6.5.4. Grupo de adultos : os adultos, em especial os trabalhadores, têm dificuldades no acesso às unidades de saúde nos horários de trabalho convencionais destes serviços. Estas situações conduzem a um agravamento dos problemas existentes, transformando-os em urgência e motivo de falta ao trabalho, além das conseqüentes perdas dentárias. Sugere-se disponibilizar horários de atendimento compatíveis às necessidades de atenção a este grupo.
Integrar a atenção odontológica aos programas de saúde do trabalhador e segurança no trabalho, viabilizando a detecção dos riscos específicos.
6.5.5. Grupo de idosos: a saúde bucal representa um fator decisivo para a manutenção de uma boa qualidade de vida. Para garantir o acesso, o serviço pode organizar grupos de idosos(as)na unidade de saúde e instituições para desenvolver atividades de educação e prevenção. Pode igualmente garantir atendimento clínico individual do idoso(a) evitando as filas e trâmites burocráticos que dificultem o acesso, com reserva de horários e dias específicos para o atendimento. Ao planejar ações para este grupo, deve-se levar em conta as disposições legais contidas no Estatuto do Idoso.
Como elemento estratégico para ampliar o acesso à assistência, sugere-se a aplicação de tecnologias inovadoras que, a exemplo do tratamento restaurador atraumático (ART) e dos procedimentos periodontais de menor complexidade, possibilitem abordagens de maior impacto e cobertura.
7. AMPLIAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DA ATENÇÃO SECUNDÁRIA E TERCIÁRIA
A assistência odontológica pública no Brasil tem-se restringido quase que completamente aos serviços básicos — ainda assim, com grande demanda reprimida. Os dados mais recentes indicam que, no âmbito do SUS, os serviços odontológicos especializados correspondem a não mais do que 3,5% do total de procedimentos clínicos odontológicos. É evidente a baixa capacidade de oferta dos serviços de atenção secundária e terciária comprometendo, em conseqüência, o estabelecimento de adequados sistemas de referência e contra-referência em saúde bucal na quase totalidade dos sistemas loco-regionais de saúde. A expansão da rede assistencial de atenção secundária e terciária não acompanhou, no setor odontológico, o crescimento da oferta de serviços de atenção básica.
Com a expansão do conceito de atenção básica, e o conseqüente aumento da oferta de diversidade de procedimentos, fazem-se necessários, também, investimentos que propiciem aumentar o acesso aos níveis secundário e terciário de atenção.
Para fazer frente ao desafio de ampliar e qualificar a oferta de serviços odontológicos especializados, o Ministério da Saúde contribuirá para a implantação e/ou melhoria de Centros de Referência de Especialidades Odontológicas (CREO).
Os CREO serão unidades de referência para as equipes de Saúde Bucal da atenção básica e, sempre integrados ao processo de planejamento loco-regional, ofertarão, de acordo com a realidade epidemiológica de cada região e município, procedimentos clínicos odontológicos complementares aos realizados na atenção básica. Entre esses procedimentos incluem-se, dentre outros, tratamentos cirúrgicos periodontais, endodontias, dentística de maior complexidade, e procedimentos cirúrgicos compatíveis com esse nível de atenção.
8. A ESTRATÉGIA DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Fundamental à organização da atenção básica do SUS, a estratégia de Saúde da Família foi criada em 1994 e normatizada pela Norma Operacional Básica do SUS de 1996 – NOB/SUS-96, que definiu suas formas de financiamento, incluindo-a no Piso da Atenção Básica – PAB. É, pois, uma estratégia do SUS, devendo estar em consonância com seus princípios e diretrizes. O território e a população adscrita, o trabalho em equipe e a intersetorialidade constituem eixos fundamentais de sua concepção, e as visitas domiciliares, uma de suas principais estratégias, objetivando ampliar o acesso aos serviços e criar vínculos com a população. A compreensão desses aspectos é fundamental para a discussão do processo de trabalho em saúde, dos processos de gestão, de educação permanente/continuada e de avaliação de serviços.
Na estratégia de Saúde da Família, a visita domiciliar é um procedimento rotineiro, preferencialmente realizado pelo ACS. A ampliação e qualificação das ações de saúde bucal também se fazem através de organização de visitas da equipe de saúde bucal às pessoas acamadas ou com dificuldades de locomoção, visando à identificação dos riscos e propiciando o acompanhamento e tratamento necessário.
Ao apresentar, como característica, uma enorme capilaridade, a estratégia de saúde da família é socialmente sensível: suas ações colocam frente a frente profissionais e realidade. São espaços pedagógicos em que a prática é o objeto das ações e onde muitas situações falam por si, permitindo às equipes um aprendizado e uma compreensão absolutamente reais e novos, a cada vez que ocorrem. São situações onde
o fazer se aproxima da realidade de vida das pessoas e possibilitando um espaço privilegiado para o trabalho com os usuários.
Nestas situações é fundamental que se tenha cuidado com as pessoas: suas condições de vida, seus valores e seus hábitos. Há uma história, peculiar, envolvendo cada situação. É fundamental ter a consciência das diferenças sociais e culturais entre profissionais do serviço e usuários. Diferenças que estão colocadas são reais e perfeitamente sentidas pelos interlocutores, seja no atendimento que acontece na unidade de saúde, seja no momento de uma visita domiciliar.
Outro aspecto fundamental desta estratégia diz respeito ao processo de trabalho. Ao colocar para a saúde bucal a proposta de sua inserção em uma equipe multiprofissional, além de introduzir o “novo”, afronta valores, lugares e poderes consolidados pelas práticas dos modelos que o antecederam. Esta situação traz o desafio de se trabalhar em equipe.
Para a Saúde Bucal esta nova forma de se fazer às ações cotidianas representa, ao mesmo tempo, um avanço significativo e um grande desafio. Um novo espaço de práticas e relações a serem construídas com possibilidades de reorientar o processo de trabalho e a própria inserção da saúde bucal no âmbito dos serviços de saúde. Vislumbra-se uma possibilidade de aumento de cobertura, de efetividade na resposta às demandas da população e de alcance de medidas de caráter coletivo. As maiores possibilidades de ganhos situam-se nos campos do trabalho em equipe, das relações com os usuários e da gestão, implicando uma nova forma de se produzir o cuidado em saúde bucal.