A visita domiciliar é um instrumento de trabalho que pertence ao mundo dos cuidados de saúde desde o início do desenvolvimento da medicina e dos cuidados em saúde. Numa grande parte da história da humanidade, até o início do último século, ela era o principal instrumento de contato entre o médico, os outros profissionais de saúde e o paciente; porém, a fragmentação e a verticalização dos serviços de saúde, ocorrendo em paralelo com a tecnologização, colocaram a visita domiciliar em segundo plano, colaborando para um esquecimento e um certo desprestígio dessa prática.
No Brasil, algumas experiências e situações ocorrendo tanto no âmbito da saúde pública quanto no da saúde suplementar estão contribuindo para oferecer novamente suas letras de nobreza a esse instrumento de trabalho, revalorizando-o e reconhecendo sua complexidade.
Contextualização
A Estratégia de Saúde da Família, que existe desde 1993, torna-se fundamental para reerguer a visita domiciliar como elemento primordial de assistência à saúde, melhorando a qualidade de vida dos usuários dos sistemas de saúde. Seus fundamentos são baseados na família e no âmbito domiciliar e comunitário.
A inserção da família como foco de atuação na política de saúde, como propõe o PSF, entende a família como sujeito do processo assistencial de saúde, definindo o domicilio como um espaço social e histórico onde são construídas as relações intra e extrafamiliares e no qual ocorrem as lutas pela sobrevivência, pela produção e reprodução.
Há também, desde o final dos anos 1990, o desenvolvimento de serviços de “home care” pelo mercado de saúde privado, derivados das estratégias do “managed care” americano, focando, na época, a desospitalização de casos de internação prolongada como forma de otimizar os resultados e custo-benefícios em saúde.
Nos dias de hoje, essa modalidade evoluiu, tanto nos Estados Unidos quanto na América do Sul, para programas domiciliares de cunho mais preventivo, como os programas de gerenciamento de doenças crônicas, que envolvem não somente os serviços, planos e seguros de saúde, mas também o meio empresarial, que conseguiu detectar nessa aproximação do lar uma chave cada vez mais importante para o desenvolvimento de atividades de saúde preventivas contextualizadas à realidade do usuário e do trabalhador,
salvando assim milhões de reais e dólares em dias de internação desnecessários ou em produtividade.
A legislação segue o rumo da evolução das ações nesse sentido, adotando leis regulamentando a área, como: a Lei nº 10.424, de 16 de abril de 2002, que acrescentou a Lei Orgânica da Saúde; o Atendimento e a Internação Domiciliar no SUS; a Portaria no 2.416 de 23 de março 1998, sobre requisitos para credenciamento de hospitais e critérios para a realização de internação domiciliar no SUS; a Resolução da ANVISA nº 11, de 26 de janeiro de 2006, que dispõe sobre o regulamento técnico de funcionamento de serviços que prestam atenção domiciliar; e a Portaria do Ministério da Saúde nº 2529, de 19 de outubro de 2006, que institui a internação domiciliar no âmbito do SUS.
Definições e conceitos
Vários termos são utilizados para definir modalidades de assistência em que se inclui a visita domiciliar como instrumento.
A variedade desses termos leva algumas vezes a certa controvérsia, dificultando o intercâmbio de informações. Nesse sentido, serão aqui colocadas algumas definições oriundas de organismos oficiais.
A Organização Mundial da Saúde define Assistência Domiciliar como a provisão de serviços de saúde por prestadores formais e informais com o objetivo de promover, restaurar e manter o conforto, a função e a saúde das pessoas num nível máximo, incluindo cuidados para uma morte digna. Serviços de assistência domiciliar podem ser classificados nas categorias de preventivos, terapêuticos, reabilitadores, acompanhamento por longo tempo e cuidados paliativos.
O Ministério da Saúde brasileiro utiliza o termo Atenção Domiciliar para designar o conjunto de ações integradas em saúde que ocorrem no domicílio destinadas à população em geral. Compreende ações articuladas de vigilância à saúde, Assistência Domiciliar e Internação Domiciliar.
Subdivide-se a Atenção Domiciliar em Assistência Domiciliar e Internação Domiciliar.
A Assistência Domiciliar constitui um recorte da Atenção Domiciliar que ocorre no âmbito da Atenção Primária em Saúde, vinculada ou não às equipes de Saúde da Família e destinadas a pessoas com perdas funcionais e dependência para as Atividades da Vida Diária (AVD).
A Internação Domiciliar é o conjunto de atividades prestadas no domicílio a pessoas clinicamente estáveis que exijam intensidade de cuidados acima das modalidades ambulatoriais, mas que possam ser mantidas em casa por equipe exclusiva para esse fim.
A modalidade de Assistência Domiciliar pode ser dividida em três subcategorias: Vigilância, Atendimento e Acompanhamento Domiciliares.
A Vigilância Domiciliar é o comparecimento de um integrante da equipe para realizar ações de promoção, prevenção, educação e busca ativa da população, como:
• Visitas a puérperas;
• Busca de recém-nascidos;
• Busca ativa dos programas de prioridades;
• Abordagem familiar para diagnóstico e tratamento;
• Evolução de egressos hospitalares.
O Atendimento Domiciliar é dirigido a pessoas com problemas agudos, temporariamente impossibilitadas de comparecer à UBS.
O Acompanhamento Domiciliar (às vezes chamado Monitoramento Domiciliar) é dirigido a pessoas que necessitem de contatos frequentes e programáveis com os profissionais da equipe. Exemplos de condições indicadas:
• Pacientes portadores de doença crônica que apresentem dependência física;
• Pacientes em fase terminal;
• Pacientes idosos, com dificuldade de locomoção ou morando sozinhos;
• Pacientes egressos do hospital que necessitem de acompanhamento por alguma condição que os incapacite a comparecer à Unidade;
• Pacientes com outros problemas de saúde, incluindo doença mental, que determinem dificuldades de locomoção ou adequação ao ambiente da Unidade de Saúde;
• Cuidadores das pessoas incapacitadas.
Teoricamente, dificuldades financeiras ou estruturais para acessar a UBS não são uma indicação de Acompanhamento Domiciliar. Devem ser promovidas ações de adequação do espaço urbano e do sistema de transporte e medidas globais de acessibilidade, respondendo às mudanças demográficas das populações para endereçar esses problemas. Entretanto, no dia a dia das equipes de Saúde da Família, a modalidade de Vigilância ou Atendimento Domiciliar é necessária por essas razões.